Os bioinsumos se tornaram uma realidade na agricultura brasileira e já ocupam 31% da área cultivada e 60% das propriedades rurais no País, de acordo com as últimas pesquisas. Na mesma proporção em que o Brasil desponta como um dos líderes globais na produção e adoção de insumos biológicos, também aumenta a preocupação com a qualidade desses produtos e a proliferação dos chamados “On Farm”, ou seja, aqueles que são feitos ou multiplicados na própria fazenda.
Se por um lado existe uma suposta redução no custo em comparação com o produto formulado, a produção “On Farm” tem sido alvo de críticas de técnicos e especialistas que apontam a falta de uma regulamentação da produção e controle de qualidade. Muitas empresas têm oferecido tanto os insumos como os equipamentos para que o agricultor faça seu próprio produto – e aqui começam os problemas.
“O que se percebe na prática, é que os produtores têm boa intenção, porém as empresas pecam quando o assunto é uma assistência técnica pós-venda, deixando a produção totalmente a cargo do produtor, que na maioria das vezes não dispõe de mão de obra especializada, que seria essencial para uma produção de bioinsumos de qualidade”, afirma Franquiéle Bonilha da Silva, Doutora em Ciência do Solo.
De acordo com ela, um dos principais riscos da produção “On Farm” é a contaminação do sistema, resultando na redução da eficiência ou até mesmo a total inativação do organismo alvo. “Além disso, há um grande risco quando a patogenicidade desses organismos, a humanos, animais e às plantas a serem inoculadas. O que vai totalmente contramão dos produtos biológicos formulados, que passam por rígido processo de registro e fiscalização quanto a controle de qualidade”, atesta a especialista.
Outro ponto preocupante, destaca ela, é que as empresas geralmente ofertam o mesmo meio de cultura para a produção de todos os tipos de organismos. “Biologicamente falando, é impossível que se mantenha uma produção de qualidade, já que cada tipo de organismo tem uma demanda nutricional diferente (principalmente quando se refere a micronutrientes, vitaminas e alguns aminoácidos essenciais específicos) e condições ambientais de crescimento variáveis (temperatura, pH, etc.)”, explica.
PERIGOS IMINENTES
Além disso, a produção caseira de bioinsumos favorece a ocorrência de bactérias resistentes a antibióticos. Esses micro-organismos provocam doenças como endocardite, meningite e infecções do trato urinário, de acordo com estudo da Embrapa Milho e Sorgo (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) liderado pelo pesquisador Fernando Valicente, D.Sc. em Entomologia (Genética Molecular).
Os especialistas analisaram sequências de DNA em amostras de microrganismos utilizados para a produção de biopesticida à base de Bacillus thuringiensis. No levantamento foram identificadas espécies como B. cereus, um patógeno que pode causar infecções graves e doenças periodontais. Um trabalho publicado na revista científica PLoS ONE apontou resultados semelhantes com a utilização de biopesticidas à base de B. thuringiensis na França.
Outro recente estudo conduzido pela Embrapa Soja chamou a atenção: em 18 amostras “On Farm” avaliadas em cinco estados brasileiros foram isolados e encontrados nada menos que 85 microorganismos. Estes foram classificados em 25 gêneros/espécies, sendo quase a metade deles, 44%, são considerados potencialmente patogênicos para aves e mamíferos.
Uma das autoras do estudo, a pesquisadora da Embrapa Mariangela Hungria mostrou exemplos de produção “On Farm” de controladores biológicos em que mais de 90% das amostras não tinham o microrganismo desejado. O mesmo ocorre com a produção de inoculantes, chegando ao extremo de nenhuma amostra analisada conter as bactérias esperadas. “É um perigo muito grande para o consumo e exportações. Pegando esses contaminantes em nossos produtos exportados poderíamos ter problemas”, alertou ela.
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